Há
muito tempo, em uma ensolarada tarde de primavera, Hime, a bela filha de um
poderoso senhor feudal chamado Asano Zenbei, foi colher flores no penhasco
Shimizu, conhecido como “Poço das Violetas”. Ao estender a fina mão, porém viu
apontar dentre as flores, a cabeça negra de uma grande serpente da montanha,
pronta para dar o bote. Apavorada, a menina soltou um grito de dor e caiu
desfalecida.
Uma
de suas acompanhantes, chamada Matsu, ouviu o grito da princesa e correu até
ela. Encontrou-a sem sentidos, e ao seu lado, uma serpente toda enrodilhada.
Prontamente, a ama jogou o seu cesto sobre a cobra, que sumiu dentre as
folhagens. Logo, todas as criadas foram se aproximando e a rodearam, tentando
reanima-la. Mas tudo em vão, a cada minuto Hime se tornava mais lívida e fraca.
—Fiquem tranquilas minhas jovens. Ouviram uma voz masculina atrás de si. — Eu
conheço um modo de ajudar a princesa, se não se importam.
Quando ergueram seus olhares, um suspiro de espanto correu entre as damas. A sua frente estava o mais belo jovem que seus olhos já haviam tido o prazer de avistar. Trajado todo de branco, como um “Onmyoji” (praticante da ciência natural e ocultismo inspirado na filosofia chinesa yin-yang). Ele sorria-lhes com uma confiança que tirou de todas as testas o sinal de preocupação.
Todas
as moças abriram uma clareira para deixar o rapaz se aproximar da princesa. Com
calma e confiança, parecendo ser mesmo um mestre no controle do equilíbrio
entre ying e yang, como um Onmyoji. O jovem tomou-lhe o pulso e olhando para a
Hime, notou no pé esquerdo, marcas de uma picada de serpente. Rapidamente,
pegou um frasco de remédio entre os que carregavam consigo e, com a ajuda das
damas, fez com que a princesa toasse um pouco de seu conteúdo.
A
jovem abriu os olhos e piscou vivamente de espanto e satisfação ao se deparar
com um desconhecido encurvado sobre si friccionando lhe o pulso. —O que houve?
Hime perguntou sem conseguir tirar os olhos dele. —Graças à esse sábio mestre,
você está salva. Disse-lhe Matsu, contando o ocorrido.
—Oh! Não sei como lhe
agradecer! Disse suave a menina lembrando-se da cobra negra, e já se sentindo
restabelecida. —Diga o seu preço, meu senhor, que qualquer valor lhe será pago
pelo meu pai.
—Não há o que agradecer
ou pagar, fiz somente o que qualquer um faria. Disse gentilmente aquele que lhe
salvara a vida. E sem esperar mais agradecimentos partiu, se esvanecendo nas
névoas da Primavera.
—Que adorável!
Balbuciou a princesa com o coração batendo em disparada e os olhos vidrados na
névoa, onde seu salvador acabava de desaparecer.
—Parece um tennin!
Cochicharam as meninas umas para as outras, querendo dizer que parecia um anjo
celeste, e todas sorriram felizes como desfecho, menos a princesa que sentia no
peito a forte picada do amor que lhe tirava o sossego.
O
caso ocorrido espalhou-se pelo Palácio, todos comentavam sobre o jovem que havia
salvado a vida da filha do Daymio.
—Ele
deve ser um mago. Disse a garota quando questionada pelos pais sobre o seu
salvador. Nos primeiros dias que se seguiram, Hime recuperou a saúde
maravilhosamente, no entanto, alguns dias depois, repentinamente, a jovem caiu
doente de cama. A menina tinha insônia, fraqueza e por mais que o senhor
feudal, Asano Zenbei, e sua esposa fizessem, ela foi definhando dia a dia e já
nem mais conseguia falar.
Matsu,
a dama da princesa, pediu uma audiência ao Daymio que, diante da desesperadora
circunstância, recebeu-a imediatamente. —A doença de sua filha meu senhor.
Disse Matsu respeitosamente. —Se me permite falar, não se cura com remédio. Mas
sim com a presença do jovem que tão desinteressadamente a salvou da morte.
—E quem é esse rapaz? A
que família pertence? Foi à primeira pergunta do poderoso senhor feudal.
—Sei que é um jovem
gentil e muito educado, mas não sei o seu nome e nem a que Clã pertence. Apesar
de sua boa aparência, parece fazer parte da baixa casta social dos etas (termo
relacionado à hierarquia de castas inferiores). Acredito que seu nome seja
Yoshisawa, uma vez que este nome estava escrito no frasco de remédio que curou
Hime.
Agradecendo
as informações, o Daymio, foi ter com a sua mulher e lhe contou sobre a
conversa que tivera com a ama de sua filha.
—Hora, diremos à Hime
que entrevistaremos o tal curandeiro, para lhe dar uma chance como pretendente
à sua mão em casamento e quando ela se recuperar completamente, faremos com que
entenda que um casamento entre os dois é impossível. Disse o senhor feudal, ao
que a mulher acenava afirmativamente a cada palavra. —Me parece uma boa
estratégia. Mandarei chamar o aprendiz para uma conversa.
Assim
que Hime soube pela mãe que seu pai iria dar uma chance ao jovem que lhe
salvara a vida, se recuperou em poucos dias. Logo todos a viram caminhar pelo
jardim do Palácio com uma aparência saudável e luminosa.
—Minha filha querida!
Disse o pai alguns dias depois, chegando-se a ela com voz indulgente e
aveludada. —Conversei com o rapaz que lhe salvou a vida e, apesar de toda minha
boa vontade, tenho que lhe fazer ver, Hime, que ele não é do nosso nível
social. Mesmo que seja um jovem brilhante, isso não invalida sua origem
inferior. Peço que entenda que uma menina bem nascida como você merece o melhor
e, por favor, não toque mais neste assunto nesta casa.
Quando
as damas de Hime levantaram na manhã seguinte, não encontraram a princesa na
cama. Procuraram-na por todo Palácio e arredores, mas em vão.
Dias
depois, encontraram seu corpo no vale coberto pelas violetas. Juntamente com a
princesa, jazia o corpo do jovem Yoshisawa que, pouco tempo atrás, a havia
salvo da picada da serpente, se apaixonando pela doce menina. Yoshisawa
descobrira seu corpo já sem vida no vale e, desesperado, fez uso de uma poção
venenosa que carregava consigo. O começo e o fim do amor entre o jovem casal
foi testemunhado pelo silencioso penhasco, o Poço das Violetas.
Fonte: Caçadores de Lendas
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