sábado, 4 de junho de 2022

O PENHASCO DAS VIOLETAS: O CONTO


Há muito tempo, em uma ensolarada tarde de primavera, Hime, a bela filha de um poderoso senhor feudal chamado Asano Zenbei, foi colher flores no penhasco Shimizu, conhecido como “Poço das Violetas”. Ao estender a fina mão, porém viu apontar dentre as flores, a cabeça negra de uma grande serpente da montanha, pronta para dar o bote. Apavorada, a menina soltou um grito de dor e caiu desfalecida.

Uma de suas acompanhantes, chamada Matsu, ouviu o grito da princesa e correu até ela. Encontrou-a sem sentidos, e ao seu lado, uma serpente toda enrodilhada. Prontamente, a ama jogou o seu cesto sobre a cobra, que sumiu dentre as folhagens. Logo, todas as criadas foram se aproximando e a rodearam, tentando reanima-la. Mas tudo em vão, a cada minuto Hime se tornava mais lívida e fraca. —Fiquem tranquilas minhas jovens. Ouviram uma voz masculina atrás de si. — Eu conheço um modo de ajudar a princesa, se não se importam.

Quando ergueram seus olhares, um suspiro de espanto correu entre as damas. A sua frente estava o mais belo jovem que seus olhos já haviam tido o prazer de avistar. Trajado todo de branco, como um “Onmyoji” (praticante da ciência natural e ocultismo inspirado na filosofia chinesa yin-yang). Ele sorria-lhes com uma confiança que tirou de todas as testas o sinal de preocupação.

Todas as moças abriram uma clareira para deixar o rapaz se aproximar da princesa. Com calma e confiança, parecendo ser mesmo um mestre no controle do equilíbrio entre ying e yang, como um Onmyoji. O jovem tomou-lhe o pulso e olhando para a Hime, notou no pé esquerdo, marcas de uma picada de serpente. Rapidamente, pegou um frasco de remédio entre os que carregavam consigo e, com a ajuda das damas, fez com que a princesa toasse um pouco de seu conteúdo.

A jovem abriu os olhos e piscou vivamente de espanto e satisfação ao se deparar com um desconhecido encurvado sobre si friccionando lhe o pulso. —O que houve? Hime perguntou sem conseguir tirar os olhos dele. —Graças à esse sábio mestre, você está salva. Disse-lhe Matsu, contando o ocorrido.

—Oh! Não sei como lhe agradecer! Disse suave a menina lembrando-se da cobra negra, e já se sentindo restabelecida. —Diga o seu preço, meu senhor, que qualquer valor lhe será pago pelo meu pai.

—Não há o que agradecer ou pagar, fiz somente o que qualquer um faria. Disse gentilmente aquele que lhe salvara a vida. E sem esperar mais agradecimentos partiu, se esvanecendo nas névoas da Primavera.

—Que adorável! Balbuciou a princesa com o coração batendo em disparada e os olhos vidrados na névoa, onde seu salvador acabava de desaparecer.

—Parece um tennin! Cochicharam as meninas umas para as outras, querendo dizer que parecia um anjo celeste, e todas sorriram felizes como desfecho, menos a princesa que sentia no peito a forte picada do amor que lhe tirava o sossego.

O caso ocorrido espalhou-se pelo Palácio, todos comentavam sobre o jovem que havia salvado a vida da filha do Daymio.

—Ele deve ser um mago. Disse a garota quando questionada pelos pais sobre o seu salvador. Nos primeiros dias que se seguiram, Hime recuperou a saúde maravilhosamente, no entanto, alguns dias depois, repentinamente, a jovem caiu doente de cama. A menina tinha insônia, fraqueza e por mais que o senhor feudal, Asano Zenbei, e sua esposa fizessem, ela foi definhando dia a dia e já nem mais conseguia falar.

Matsu, a dama da princesa, pediu uma audiência ao Daymio que, diante da desesperadora circunstância, recebeu-a imediatamente. —A doença de sua filha meu senhor. Disse Matsu respeitosamente. —Se me permite falar, não se cura com remédio. Mas sim com a presença do jovem que tão desinteressadamente a salvou da morte.

—E quem é esse rapaz? A que família pertence? Foi à primeira pergunta do poderoso senhor feudal.

—Sei que é um jovem gentil e muito educado, mas não sei o seu nome e nem a que Clã pertence. Apesar de sua boa aparência, parece fazer parte da baixa casta social dos etas (termo relacionado à hierarquia de castas inferiores). Acredito que seu nome seja Yoshisawa, uma vez que este nome estava escrito no frasco de remédio que curou Hime.

Agradecendo as informações, o Daymio, foi ter com a sua mulher e lhe contou sobre a conversa que tivera com a ama de sua filha.

—Hora, diremos à Hime que entrevistaremos o tal curandeiro, para lhe dar uma chance como pretendente à sua mão em casamento e quando ela se recuperar completamente, faremos com que entenda que um casamento entre os dois é impossível. Disse o senhor feudal, ao que a mulher acenava afirmativamente a cada palavra. —Me parece uma boa estratégia. Mandarei chamar o aprendiz para uma conversa.

Assim que Hime soube pela mãe que seu pai iria dar uma chance ao jovem que lhe salvara a vida, se recuperou em poucos dias. Logo todos a viram caminhar pelo jardim do Palácio com uma aparência saudável e luminosa.

—Minha filha querida! Disse o pai alguns dias depois, chegando-se a ela com voz indulgente e aveludada. —Conversei com o rapaz que lhe salvou a vida e, apesar de toda minha boa vontade, tenho que lhe fazer ver, Hime, que ele não é do nosso nível social. Mesmo que seja um jovem brilhante, isso não invalida sua origem inferior. Peço que entenda que uma menina bem nascida como você merece o melhor e, por favor, não toque mais neste assunto nesta casa.

Quando as damas de Hime levantaram na manhã seguinte, não encontraram a princesa na cama. Procuraram-na por todo Palácio e arredores, mas em vão.

Dias depois, encontraram seu corpo no vale coberto pelas violetas. Juntamente com a princesa, jazia o corpo do jovem Yoshisawa que, pouco tempo atrás, a havia salvo da picada da serpente, se apaixonando pela doce menina. Yoshisawa descobrira seu corpo já sem vida no vale e, desesperado, fez uso de uma poção venenosa que carregava consigo. O começo e o fim do amor entre o jovem casal foi testemunhado pelo silencioso penhasco, o Poço das Violetas.

 Fonte:  Caçadores de Lendas



 

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