O Norte do Brasil é repleto de lendas
fascinantes, e uma delas envolve o pássaro alma-de-gato, conhecido como chincoã
ou tincoã. Esses nomes têm o significado de "pássaro-feiticeiro".
Segundo a tradição, o canto do chincoã é presságio de morte: quem o escuta
estaria com os dias contados.
Minha avó adorava contar a história de um homem
chamado Chico e sua fatídica experiência com o chincoã. Ela sempre dizia: "Nunca
se deve mexer com os bichos". Chico aprendeu essa lição de forma
terrível.
Ele era um caboclo solitário, sem família, que
vivia às margens do rio Amazonas, no interior do Pará. Homem rude e descrente,
Chico dizia não acreditar em Deus nem em "visagens". Passava seus
dias na mata, cortando estacas — pedaços de madeira usados para construir
cercas. Para ele, não havia feriados ou dias santos. Todas as manhãs, saía cedo
de seu barraco com machado e terçado na mão, pronto para o trabalho.
Certo dia, exausto e faminto, enquanto apontava estacas, Chico ouviu o canto
de um chincoã próximo. Irritado, começou a xingar o pássaro:
— Te esconjuro, pássaro da morte! Vá de retro! Vá incomodar a tua mãe! Se não
tens o que fazer, ao menos vem apontar as estacas no meu lugar!
O canto cessou repentinamente. Chico, aliviado,
olhou para o céu para conferir a posição do sol, mas então percebeu algo
estranho: uma presença o observava. Assustado, perguntou em voz alta quem
estava ali.
De repente, um rapaz robusto, de olhos vermelhos
como brasas, apareceu diante dele. Chico, surpreso e desconfiado, perguntou o
que ele fazia ali. O rapaz respondeu calmamente:
— Você me chamou. Vim ajudar a apontar as estacas.
Pela primeira vez, Chico sentiu medo. Ele
trabalhava sozinho naquela floresta havia anos e jamais vira outra alma por
ali. Tentando se livrar do estranho, agradeceu e disse que o serviço já estava
concluído. Mas o rapaz ignorou e, pegando o machado, começou a apontar as
estacas acumuladas na mata com uma habilidade assustadora.
Quando terminou, o estranho perguntou:
— Há mais estacas para apontar?
Chico balançou a cabeça, negando. Foi então que o
rapaz, com um sorriso sinistro, respondeu:
— Ainda não terminei. Falta algo.
Num movimento ágil, jogou Chico ao chão.
Segurando suas mãos e pés, começou a apontá-los como fazia com as
estacas. O homem gritou em desespero, mas não havia ninguém por perto para
ajudá-lo.
Enquanto Chico agonizava, o rapaz disse:
— Que isso te sirva de lição: nunca zombe das criaturas da floresta. Elas têm
ouvidos e atendem quando são chamadas. Todos que desrespeitam o canto do
chincoã pagam com a morte.
Quando Chico recobrou os sentidos, estava sozinho
novamente. A única coisa que viu foi o chincoã empoleirado no galho de uma
árvore, fitando-o com seus olhos penetrantes.
Minha avó contava que ninguém jamais soube o que
aconteceu com Chico. Dizem que ele morreu na mata ou que ficou vagando, sem
mãos nem pés, pagando pelo erro de desafiar o chincoã.
(Texto: Mara Marques)
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