segunda-feira, 18 de novembro de 2024

CHINCOÃ: A AVE QUE ANUNCIA A MORTE

O Norte do Brasil é repleto de lendas fascinantes, e uma delas envolve o pássaro alma-de-gato, conhecido como chincoã ou tincoã. Esses nomes têm o significado de "pássaro-feiticeiro". Segundo a tradição, o canto do chincoã é presságio de morte: quem o escuta estaria com os dias contados.

Minha avó adorava contar a história de um homem chamado Chico e sua fatídica experiência com o chincoã. Ela sempre dizia: "Nunca se deve mexer com os bichos". Chico aprendeu essa lição de forma terrível.

Ele era um caboclo solitário, sem família, que vivia às margens do rio Amazonas, no interior do Pará. Homem rude e descrente, Chico dizia não acreditar em Deus nem em "visagens". Passava seus dias na mata, cortando estacas — pedaços de madeira usados para construir cercas. Para ele, não havia feriados ou dias santos. Todas as manhãs, saía cedo de seu barraco com machado e terçado na mão, pronto para o trabalho.

Certo dia, exausto e faminto, enquanto apontava estacas, Chico ouviu o canto de um chincoã próximo. Irritado, começou a xingar o pássaro:
— Te esconjuro, pássaro da morte! Vá de retro! Vá incomodar a tua mãe! Se não tens o que fazer, ao menos vem apontar as estacas no meu lugar!

O canto cessou repentinamente. Chico, aliviado, olhou para o céu para conferir a posição do sol, mas então percebeu algo estranho: uma presença o observava. Assustado, perguntou em voz alta quem estava ali.

De repente, um rapaz robusto, de olhos vermelhos como brasas, apareceu diante dele. Chico, surpreso e desconfiado, perguntou o que ele fazia ali. O rapaz respondeu calmamente:
— Você me chamou. Vim ajudar a apontar as estacas.

Pela primeira vez, Chico sentiu medo. Ele trabalhava sozinho naquela floresta havia anos e jamais vira outra alma por ali. Tentando se livrar do estranho, agradeceu e disse que o serviço já estava concluído. Mas o rapaz ignorou e, pegando o machado, começou a apontar as estacas acumuladas na mata com uma habilidade assustadora.

Quando terminou, o estranho perguntou:
— Há mais estacas para apontar?

Chico balançou a cabeça, negando. Foi então que o rapaz, com um sorriso sinistro, respondeu:
— Ainda não terminei. Falta algo.

Num movimento ágil, jogou Chico ao chão. Segurando suas mãos e pés, começou a apontá-los como fazia com as estacas. O homem gritou em desespero, mas não havia ninguém por perto para ajudá-lo.

Enquanto Chico agonizava, o rapaz disse:
— Que isso te sirva de lição: nunca zombe das criaturas da floresta. Elas têm ouvidos e atendem quando são chamadas. Todos que desrespeitam o canto do chincoã pagam com a morte.

Quando Chico recobrou os sentidos, estava sozinho novamente. A única coisa que viu foi o chincoã empoleirado no galho de uma árvore, fitando-o com seus olhos penetrantes.

Minha avó contava que ninguém jamais soube o que aconteceu com Chico. Dizem que ele morreu na mata ou que ficou vagando, sem mãos nem pés, pagando pelo erro de desafiar o chincoã.

(Texto: Mara Marques)

 

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