terça-feira, 7 de janeiro de 2020

LENDA DA VITÓRIA-RÉGIA


LENDA DA VITÓRIA- RÉGIA

À região Norte do Brasil, mais especificamente a Amazônia é representada por essa história de perseverança da índia guerreira Naiá, nascida e criada em uma aldeia tupi-guarani.

Diz à lenda que uma índia de rara beleza, chamada Naiá encantava a todos por onde passava. Um dia, apaixonou-se pela Lua e desejou ir morar com ela no céu. Naiá cresceu ouvindo histórias de seu povo e sabendo que a Lua era um deus que se enamorava das moças mais lindas da aldeia e as transformava em estrelas, Naiá subia as colinas, todos os dias, depois que seu povo dormia, na esperança de ser notada.

Acontece que quanto mais Naiá se envolvia, menos a Lua percebia o seu interesse, e como ser ignorada não estava nos seus planos, passou a perseguir a Lua todas as noites. Sem perceber, o amor de Naiá transformava-se em obsessão.

Em uma de suas muitas noites de clamor, Naiá percebeu que a luz da Lua refletia nas águas do lago, bem perto da colina. Pensando que o senhor do seu coração se banhava ali, tão perto, mergulhou no lago em busca daquele que seria — conforme ela acreditava — responsável por sua felicidade.

Naiá não mais voltou, e o Deus Lua, comovido, transformou-a em uma estrela, mas bem diferente daquelas que brilham no céu. A linda índia era agora a Vitória-Régia, a estrela das águas, com suas flores perfumadas que mudam de cor conforme o horário do dia — brancas ao cair da noite e rosadas ao raiar do dia.

quinta-feira, 2 de janeiro de 2020

LENDA INDÍGENA DO GIRASSOL

 

Há muito tempo, havia uma tribo de índios conhecida como Ianomâmi, ao norte do Amazonas. O chefe religioso dos índios, também feiticeiro, sempre se reunia com os curumins em torno da fogueira, para contar velhas lendas da tribo. Uma dessas histórias, era a lenda do girassol. O pajé notava que as crianças adoravam essas histórias e quando eram contadas, percebia em seus rostos o brilho dos olhos, mostrando o interesse e participação nas vivências.

A lenda conta que, certa vez nessa tribo indígena, nasceu uma indiazinha com cabelos claros, quase dourados. A tribo ficou agitada com a novidade, pois nunca haviam visto nada parecido. Assim, a menina foi chamada de Ianaã, que significava a deusa do Sol.

Todos adoravam Ianaã, os mais fortes e belos guerreiros da tribo e da vizinhança não resistiam aos seus encantos. Porém, elas recusavam seus cortejos, dizendo que ainda era muito cedo para assumir um compromisso.

Certo dia, a indiazinha estava brincando alegremente e nadando no rio, quando sentiu os raios de sol enviados a ela como se fossem dois grandes braços, acariciando sua pele dourada. Foi o momento em que o Sol tomou conhecimento daquela menininha tão linda e se apaixonou incondicionalmente por ela.

Ianaã também amava o Sol e todas as manhãs ela o esperava nascer com muita alegria. Ele aparecia aos poucos e o primeiro sorriso, assim como os raios dourados e morninhos, eram direcionados para ela. Era como se estivesse dizendo: – Bom dia, minha linda flor!

Não era só o Sol que gostava da indiazinha, ela era amiga da natureza. Por onde passava, os pássaros voavam e pousavam em seus ombros. Ela os chamava de amiguinhos e os beijava.

Tragicamente, um dia a pequena índia ficou triste e adoeceu quase não saia da choupana. O Sol, apaixonado e sentindo sua falta, fazia tudo para alegrá-la, mas não tinha nenhum resultado. Infelizmente, ela não resistiu e morreu.

A mata ficou em silêncio total, o Sol não apareceu e toda a aldeia ficou triste. O povo da tribo se esvaiu em lágrimas e enterraram Ianaã próxima ao rio que ela tanto amava. O Sol derramou muitas lágrimas até que, certo dia, resolveu aparecer na terra onde a índia amada estava sepultada.

Após muitos meses, nasceu uma planta verdinha, que cresceu e desabrochou uma linda flor redonda, com pétalas amarelas e o centro formado por sementes escuras. A flor ficava voltada para o Sol desde o amanhecer, até o crepúsculo vespertino. Durante a noite, ela se pendia para baixo, como se tivesse adormecido. No início do novo dia, acordava pronta para adorar o Sol e ser beijada e acariciada por seus raios. As sementes viraram alimento para seus amados amiguinhos. Essa linda flor, recebeu da tribo o nome de girassol.

quarta-feira, 2 de janeiro de 2019

O CORVO

 O Corvo de Fialho de Almeida. (O País das Uvas)

Aos primeiros clarões da manhã, o casco do galeão tinha-se afundado inteiramente. Para qualquer lado que se olhava, o mar não tinha termo; o céu ia coberto duma bostela de nuvens cor de chumbo, mosqueada de fulvo, que se fora erguendo duma banda, erguendo, te descobrir sobre a linha do mar uma fímbria d’alva muito pálida, por onde a luz começou a esclarecer de manso o plano líquido. E esse plano amainava e começava a perder os vagalhões...

Sobre as águas se erguia à maneira de torre, um grande ilhéu bronco e tisnado. Era uma massa de fortins dentada toda em roda, por cima de cuja plataforma outras moles gigantes se aprumavam. E havia pórticos, recantos, pátios, levadiças: a ressaca bramia nos recôncavos da rocha babujenta; por cima as nuvens galopavam, embebendo os goelanos e os corvos marinhos do seu chorume glácido e mortal.

Mas que silêncio! A tormenta da noite esfalfara a seu turno os elementos, e do galeão perdido nada restava mais do que um cadáver de escravo, flutuando de bruços, pela água – tísicas as pernas, os ombros recaindo em bola sob o esforço dos deltóides que a agonia paralisara na sua derradeira contratura, e a cabeça tão baixa e metida a machadada certeira dum carrasco.

Entanto a madrugada tocava de lividezes frias a epiderme corrugosa das águas, à medida que as nuvens se erguiam do oriente, pondo na linha d’água uma grande boca de claridade. Essa boca escancarava para dentro duma noção de deserto e de infinito, sem uma vela, e toda ululante, desse soturno troar que vem do fundo do oceano, como a imprecação de todos os milhões de seres que ele afogou.

Crescia a luz, e as nuvens se iam, lentas e cansadas, para outro hemisfério talvez, descobrindo os mares. E os rochedos do ilhéu, se por um lado desciam na paisagem, do seu prestígio fantástico, nem por isso ficaram menos lúgubres, com as suas grandes arestas medievais, e as suas proporções de sepulcro e pedestal.

De roda, as águas batiam-lhe de través os flancos carcomidos, com uma raiva que parecia insistir na proporção da inutilidade do ataque. E ao largo, por todas as bandas, não se viam senão brilhar palhetas finas na orla das ondas, uma após outra, correndo, e resolvendo-se alfim numa babugem de espuma efervescente.

Mau grado o aspecto pacífico, aquela imensidade era sinistra: tintas de cólera passavam às vezes, como maus pensamentos, por baixo da epiderme glauca do oceano; via-se então escancarar covas na água, brotar um braço da espádua duma onda; e o eterno marulho abrir um eco, que estrugia metalicamente em cada palheta, e acordava no teclado das ondas estava o mais desconforme coro de rancor. Sobre uma crista de rocha estava um corvo, um corvo marinho, velho e calculado, cujos olhos corriam o mar à busca de sustento, e cujos lentos meneios traíam na extrema prudência, a sagacidade cruel dos pássaros cobardes, a quem a luta repugna, e que se ingurgitam só de podridão. Tinha as patas fincadas no fraguedo, as asas lassas pendendo ao chão, como se estivessem decepadas, e avançara o pescoço como quem fareja, estralejando o bico à guisa da matrácula. Como era enorme, o vulto dele, naquela postura de caça, tinha um selo diabólico e maldito. Era ainda noute, já o corvo tinha lobrigado o cadáver do escravo à tona d’água, e estivera a espreitá-lo dali, do seu reduto, partilhado entre a voluptuosa sensação da carne podre, e o pavor d’avançar sobre uma presa suspeita, que ele não via bem se vivia ou estava morta.

E de cima da rocha o seu olhar espiava dum lado os outros corvos, e doutro o flutuar do corpo, cada vez mais dobrado, e que se dirá lutar contra o impulso das ondas, para fugir às voracidades da ave impassível e satânica. Do seu apoio elevado enfim o corvo veio descendo, em pulos mansos, aos contrafortes mais baixos do rochedo, em cuja babosa escarpa vinham partir-se os cachões da ressaca.

Aqui se detinha um pouco a olhar de lado a presa cobiçada, além se deixava escorregar pelas salsugens marinhas, recuando aos repousos, com um pavor cobarde, de cada vez que a vaga vinha marrar com o negro à penedia. Houve um momento em que o refluxo das águas, mais forte, desviou o cadáver do ilhéu, cerca duns metros, tomando-o nas curvas dum remoinho brusco que depois o arrojou furiosamente, para uma distância além de penedia. E isto açulou o apetite sinistro do pássaro, cujas asas se abriram de repente.

De manso, ao rés d’água, sem um grasnido que aos outros desse alarme do subia, em vôos de seta, e tocava ao de leve a carne do cadáver, fugindo, voltando, te lhe ferrar de raspão a primeira bicada. Sem receio de rivais, aquele funéreo festim haveria parecido à ave delicioso. Mas era evidente que o ciúme de partilhar o banquete o desesperara, e desta vez o corvo tinha pressa em chegar aos bocados saborosos.

... Aí começa uma luta entre o corvo que pula sobre as espáduas do escravo, a ver se o volta, pra lhe sorver os olhos, como regalo primeiro da orgia perpetrada, e o cadáver que se defende à injúria, ocultando cada vez mais a cabeça sob a água, e deixando os braços oscilar, como duas inúteis e inertes barbatanas. Por muito tempo esta manobra prossegue, e à medida que avança, a impaciência da ave vai num crescendo de cólera inarrável. Ela abre as asas, ergue-se um instante no ar, para cair depois a todo peso, sobre um ombro do náufrago, a provocar oscilação que lhe desloque o corpo daquela postura passiva de defesa. Ela lhe rasga as carnes com as cortantes lâminas do bico, que se crava mais fundo, e mais, cada vez mais, na proporção da certeza que tem na impunidade. Mas tudo é inútil. O negro lá continua de bruços sobre as ondas, hirtas as pernas, o cavername do tronco abroqueado em glaciais musculaturas, os ombros sempre unidos, a cabeça debaixo do peito, como um vivo fizera, quando o chicote do amo lhe arava as carnes, delas fazendo suar martírio e sangue. De roda, tudo agora se alarga sob a coral de luz que a manhã canta.

As nuvens foram-se: o sol rebenta afinal à boca do grande deserto d’água, e pacifica-lhe as fúrias coas refulgências geniais da sua claridade. E nada é mais doce do que esse murmúrio sem fim das grandes águas, horrísono ainda há pouco, agora lírico e profundo, com o poean entoado pelos efebos, na terra helena, depois duma batalha.

Só o corvo prossegue na sua tarefa exaustiva, e, imagem do ódio, ei-lo armando em força a cobardia, requintando a vingança, tripudiando sobre a impunidade – como esses vencidos que se desforram da humilhação sofrida, indo aos cemitérios esbofetear os cadáveres dos vencedores. (O País das Uvas, Lisboa: Clássica, 1946, pp. 167-71).